Do alto de seus 1,93 metros de altura em um corpo magro, Otávio Bastos poderia receber um infinidade de rótulos a partir de sua estrutura física. Nenhum espanto causaria afirmar ser praticante de basquete. E esteve sim a se dedicar ao esporte da bola laranja durante os anos de sua juventude. Saltava como poucos e não decepcionava na pontaria. Poder-se-ia aprimorar seu talento e descobrir-se dentro das quadras, mas a descoberta aos 16 anos fugiu ao roteiro e as expectativas: um enfisema pulmonar.
A notícia, como não poderia deixar de ser, deixou atônito o jovem e os parentes. Porém, Otávio foi o primeiro a abandonar o estado de paralisia para buscar no movimento a solução. O basquete, esporte propenso ao contato físico, foi rechaçado. Emergiu então a alma dançante, ignorando barreiras físicas e colocando novamente Otávio em marcha.
Otávio Bastos é dançarino de frevo e estudioso das capacidades motoras de cada corpo em função da dança. (Foto: Celia Santos)
“Me encontrei”, resume Otávio Bastos, deixando escapar um sorriso faceiro de quem já sabe o desfecho da história. A relação dele com a capacidade motora de cada corpo começa a ser questionada na infância a partir de um paradigma. Estudante de colégio militar, ele via na escola a tentativa de moldar formas, produzir movimentos idênticos e alinhados. Pernambucano e já envolvido pelo som “frevente” das ruas, assistia do lombo do pai o movimento libertário que faziam os corpos se contorcerem em alegria, em movimentos aleatórios e desalinhados.
Otávio Bastos começou a ver que o movimento pode se adaptar a qualquer tipo de corpo, pois ele era livre e partia da improvisação. O frevo apresentou a dança sem amarras e fez Otávio descer do lombo de Gilberto Nascimento para experimentar seu próprio ímpeto.
“Frevo é improvisação poética e pessoal. Quando começa a dança, possibilita ao bailarino adaptar o corpo a sua própria realidade”, explica. “A dança é uma forma de se ver, de se conhecer através do corpo”, completa o raciocínio, gesticulando energicamente.
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A descoberta de Otávio Bastos tomou tamanha proporção que o estado de Pernambuco, apesar de sua imensa multiplicidade cultural, ficou restrito. Ele foi pesquisar e aprender sobre a motricidade dos corpos com pessoas cuja história era bem diferente daqueles que nascem em meio ao frenesi recifense.
Finlândia, China e Alemanha foram alguns dos países visitados. “A história motora deles é muito diferente da nossa. Tem que se adaptar totalmente. O movimento lá é mais em cima, o tronco, mas também tem a sua beleza”, relata Otávio, que descongelou os músculos nórdicos para que eles também pudessem se encantar com frevo pernambucano.
Com participação especial da professora Rita Lagrota, do Instituto Mpumalanga, Otávio ministrou mais uma aula de frevo improvisação no Paço do Frevo, em Recife. (Foto: Célia Santos)
Ao longo de anos estudando improvisação na dança nos Estados Unidos, Otávio teve contato com as mais variadas culturas, o que só reforçava sua teoria a respeito dos corpos: a liberdade promove adaptação ao movimento. “É a relação libertária com o corpo. Não existe errado e certo”. Existe dança.
“Meu pai tem 81 anos e dança frevo”, conta Otávio orgulhoso. “Por conta disso, hoje eu tenho uma relação diferente com a velhice. Vejo velhos integrados, vivos, sem mais aquele culto à jovialidade”, completa.
Otávio é um dos professores que ministra aulas dentro do Paço do Frevo, um memorial moderno à dança tradicional localizado no centro do Recife. Depois de viajar o mundo e conhecer diversas culturas, ensina o frevo-improvisação, que nada mais é do que a síntese de uma teoria de vida. Na bagagem também tem uma longa passagem pelo Instituto Brincante, em São Paulo, e aulas particulares à família de Antônio Nobrega, um dos grandes nomes do ritmo nordestino.
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