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Foto do escritorInstituto Mpumalanga

Antropóloga retrata cenário indígena no Médio Purus

Nascida na região do Vale do Ribeira, lugar onde abriga o maior remanescente da Mata Atlântica e as comunidades tradicionais são representativas para o estado de São Paulo, a antropóloga Mirella Poccia se envolveu desde muito cedo com questões sociais e ambientais. Durante sua formação em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), uma professora a levou para conhecer o universo indígena e a relação com a cultura e a etnologia se estreitaram ainda mais.

Hoje, Mirella carrega um conhecimento profundo nessa área. Durante anos, ela colaborou na implementação de um programa de fortalecimento para organizações indígenas, pelo Projeto Aldeias, no Médio Purus, na Amazônia.

Mirella Poccia terá a oportunidade de voltar para a região com a Caravana das Artes em uma expedição de 20 dias em Lábrea, município sul amazonense. O objetivo é fazer um novo retrato sobre a situação da preservação da língua nativa e a infância indígena. Um velho amigo da antropóloga também embarcará nesta expedição, o cacique Zé Bajaga, presidente da Federação de Povos Indígenas do Médio Purus (FOCIMP). Ele está junto no processo de mediação da chegada dos caravanistas na visita aos povos apurinã, paumari, jarawara e jamamadi.

Confira a entrevista da antropóloga Mirella Poccia para o site do Instituto Mpumalanga:


Caravana das Artes vai desbravar a Floresta Amazônica e levar metodologia educacional às aldeias indígenas distantes (Foto: Divulgação)

Caravana das Artes vai desbravar a Floresta Amazônica e levar metodologia educacional às aldeias indígenas distantes (Foto: Divulgação)


A Caravana das Arte e a Caravana do Esporte entrará em uma expedição de 20 dias no estado do Amazonas, vamos conhecer em especial o município de Lábrea. Como o município se encontra em relação ao estado do Amazonas?

A cidade de Lábrea fica localizada no sul do Amazonas, no médio curso do rio Purus. O rio Purus é um rio de bacia transfronteiriça – nasce na Bolívia, passa pelo Peru e adentra o Brasil, passando pelos estados do Acre e Amazonas e é um dos maiores contribuintes da margem direita do rio Solimões. Em relação à capital do Estado do Amazonas, os barcos de passageiros ou “recreios” e as balsas levam em média de quatro a cinco dias percorrendo o sinuoso rio Purus. Lábrea fica distante a 703 km (linha reta) de Manaus, sendo a hidrovia um eixo vital na vida econômica do município, mesmo após a abertura da rodovia Transamazônica na década de setenta pelo governo militar.

A ocupação da bacia do Purus, e aí este cenário se estende a cidade de Lábrea, se mostra atrelada às políticas públicas que se iniciaram com o ciclo da borracha, no final do século XIX e se estenderam pelo século XX.

Atualmente, a região de interface entre o alto e médio Purus é cenário de expansão de fronteira agrícola, a partir da logística dada pelas rodovias BR-364, BR-319 e BR-230. É nesta região que se concentra o impacto da ocupação na bacia, associada, principalmente, às atividades madeireira e pecuária, uma região que apresenta os maiores índices de desmatamento em direção à floresta: são 500 mil km² de terras que vão do sudeste do Pará para o oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre. Essa porção de terra é chamada de “arco do desmatamento da Amazônia”. A ocupação de fronteira se concentra nos municípios de Sena Madureira, no Estado do Acre, Boca do Acre e Lábrea, no Estado do Amazonas, eixo de extensão da BR-230 (Transamazônica, trecho Humaitá-Lábrea).

Característica da população de Lábrea?

Segundo o IBGE, a cidade de Lábrea possui uma população de aproximadamente 42 mil habitantes. Devido ao histórico de ocupação da Bacia, como foi dito, a cidade de Lábrea possui uma população formada por povos indígenas, de diferentes etnias, extrativistas residentes das unidades de conservação e ribeirinhos, nordestinos que na época da borracha construíram lá sua morada e já estão a gerações na Amazônia.

A diversidade de etnias indígenas em Lábrea é bastante rica. Quantas aldeias existem dentro desse território e as quais etnias elas pertencem? Elas são aldeias isoladas?

As primeiras terras indígenas no médio Purus começaram a ser demarcadas no início da década de 1990 como materialização do direito assegurado pela Constituição de 1988. Como se pode ver na tabela a seguir, as terras indígenas no município de Lábrea somam 19% do total de sua área e a maioria delas foi demarcada entre os anos de 1991 (caititu, tauamirim, zuruaha…) e 2004 (deni, igarapé mucuim…; hi merimã, em 2005). Porém, fica difícil pontuarmos a quantidade de aldeias, pois estas se referem a dinâmica política e social de cada Povo dentro de seu território e muitas vezes estes dados não são atualizados com precisão.


mirella

Qual é a situação do uso das línguas indígenas nas aldeias que vamos visitar?

Para que tenhamos aqui uma breve ideia, visitaremos a Terra Indígena Paumari do Lago Marahã, do povo paumari. A língua paumari aparece, segundo pesquisas, como em situação de sério risco de extinção, com uma população em 2010 de 1559 pessoas, porém de 290 falantes da língua arawá, tronco linguístico arawá. Entretanto, cabe evidenciar que de lá traremos informações mais precisas, dadas pelos próprios paumari e as organizações indígenas da região. As outras línguas indígenas, devido a diversos fatores, ainda são bastante faladas nas Terras Indígenas, o que fortalece o movimento paumari de revitalização de sua história contada na sua língua. De qualquer maneira, acredito que a melhor fonte para esta informação será nossa conversa com os professores indígenas, as crianças, as lideranças indígenas e o movimento indígena da região.

Uma pesquisa divulgada pelo estudiosos Anari Braz Bomfim e Francisco Vanderlei Ferreira afirma que apenas 20% da população total da etnia Paumari domina a língua nativa, a arawá. Existem ferramentas de revitalização da língua pela comunidade? Ou então alguma política desenvolvida pelo estado ou pela união para a preservação da língua?

Acredito que muitas iniciativas realizadas dentro das Terras Indígenas não são divulgadas. Durante a nossa ação conseguiremos saber de forma mais precisa essa resposta. Muitas iniciativas, as que perduram, são realizadas pelas próprias comunidades, nas escolas dentro das Terras Indígenas e motivadas também pelo movimento indígena. De fato, a educação escolar indígena tem como princípio a educação diferenciada, e nesse escopo tem a função de atribuir à língua nativa o status de língua plena e de colocá-la, pelo menos no cenário escolar, em pé de igualdade com a língua portuguesa, um direito previsto pela Constituição Brasileira.

O aprendizado da escrita em português para os povos indígenas tem funções muito claras: defesa e possibilidade de exercerem sua cidadania, e acesso a conhecimentos de outras sociedades. Já a escrita das línguas indígenas é uma questão complexa, e precisa ser pensada com cuidado e com os Povos Indígenas envolvidos.

De fato, a diversidade linguística e também cultural é uma riqueza que precisa ser melhor conhecida, documentada e preservada. Quando uma língua desaparece, perdemos os conhecimentos incorporados àquela língua, inclusive conhecimentos culturais, ecológicos, informações sobre as estruturas e funções das línguas humanas de modo geral. Precisamos reconhecer que para qualquer povo – do mais ao menos numeroso – a língua representa um elemento vital; sua morte é uma perda irrecuperável. Acima de tudo, a valorização e preservação das línguas é um direito universal que devemos reconhecer e defender, porém deve estar atrelada ao desejo e reflexão dos falantes.

Qual é o cenário da educação indígena em Lábrea? Todas as aldeias têm escolas?

Não sei dizer de forma precisa qual a quantidade de escolas em cada Terra Indígena do município. Todas as Terras Indígenas possuem escolas, tirando obviamente as Terras habitadas por Povos isolados e de recente contato (zuruaha e hi-merimã). De qualquer forma, a maioria das escolas possuem somente o ensino fundamental, ou seja, até a 4° série. Quando os indígenas querem continuar os estudos são obrigados a sair de suas Terras e morar em Lábrea, realidade bastante complicada para maioria dos Povos. Em Lábrea, os estudantes acabam passando muitas necessidades de alimentação e moradia, inclusive longe de suas famílias e de sua casa, o que torna estudar um problema. A maioria acaba não dando continuidade aos estudos, apesar do desejo. Abordaremos bastante esta questão em nossa visita a Lábrea. A situação da educação é bastante precária e preocupa os Povos Indígenas e o movimento indígena da região. Falta de estrutura nas escolas das Terras Indígenas, de ensino continuado, de material didático apropriado e participação indígena nos planos pedagógicos e gastos orçamentários ainda são problemas à serem superados na região. Faremos uma pesquisa para entender quais as principais questões colocados pelo movimento indígena, professores e crianças.

Existem projetos de extração de recursos naturais por meio do manejo sustentável? Essas ações impactam de qual maneira as aldeias indígenas?

As comunidades indígenas estão se adaptando a mudanças que afetaram não apenas seu meio ambiente, mas também a forma pela qual elas o utilizam. Entendemos que as comunidades estão buscando ativamente fontes de renda para satisfazer as suas novas necessidades (por exemplo, bens manufaturados, saúde, educação). Dentro dos próprios territórios emanam pressões, invasão das terras e o aumento das populações indígenas – o que acarreta a intensificação da exploração dos recursos naturais -; a substituição das formas tradicionais de uso de recursos naturais; a exploração predatória de recursos florestais, pesqueiros e minerais existentes seja pelos próprios índios ou por terceiros.

Outras estão buscando meios para adaptar seus estilos de vida e de subsistência para as suas circunstâncias, agora alteradas. Muitas estão buscando meios de mitigar as ameaças, por forças externas, às suas terras e recursos.

 

Vozes do Purus

O Projeto Vozes do Purus abraça as manifestações e tradições culturais dos povos indígenas como parte da Caravana das Artes –  movimento que acredita no poder mobilizador da arte, na possibilidade de aprender e construir juntos, na valorização da cultura, na promoção dos ideais democráticos e da paz. A Caravana das Artes é um projeto itinerante que percorre todos os anos 10 municípios com baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) e infantil (IDI), promovendo atividades artísticas entre crianças e jovens, além de capacitação de professores da rede pública. Uma metodologia que transforma a realidade de crianças e jovens em espaço e conteúdo para o aprendizado e, principalmente, valoriza o papel do professor como ator social com grande influência na comunidade.

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