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Foto do escritorInstituto Mpumalanga

Bumba meu boi, uma rica história do folclore brasileiro

É dia de celebrar o bumba-meu-boi ou, como também é conhecido, boi-bumbá. Suas cores e brilhos trazem graça e alegria à brincadeira. Uma festa do Pará, do Maranhão, do Recife, da Bahia… do Brasil.

Pesquisadores da cultura popular e historiadores acreditam que suas primeiras manifestações datam do século 18, época do ciclo do gado, quando ainda existia a escravidão no Brasil.  A brincadeira, que leva o boi às ruas até hoje, incorporou costumes locais  e se modificou ao longo dos tempos.

Para saber mais dessa história, conversamos com o professor do Instituto Mpumalanga, Denny Neves, que também é coordenador artístico do Boi Estrela de Igatu. Confira a entrevista.

O que é brincar de boi?

As brincadeiras de boi são referências às organizações socioculturais e políticas da época do Brasil colonial. Introduziram a cultura do boi no Brasil com a chegada dos ciclos da cana de açúcar, do gado e do ouro, que se estenderam em vários regiões do país. As forças de trabalho foram, primeiro, garantidas pelo trabalho dos negros, vindo da África, juntos com a  mão de obra indígena, ambos escravizados nos engenhos. Era comum, as festas que celebravam a colheita na roça. Quando se colhia boas safras, os donos dos engenhos liberavam os trabalhadores para se divertirem. As brincadeiras traziam referências vindas de países da África e da cultura indígena.  Porém, o regime colonizador da época imbuiu também sua bagagem nas populações tradicionais. A corte de Portugal, por exemplo, introduziu como imposição social, princípios bíblicos de conceitos de vida e morte nas manifestações das populações tradicionais.

E como os negros e os indígenas introduziram esses aspectos nas suas manifestações?

Criou-se um outro mito. Na cultura popular usamos a expressão “dar um drible”. O povo que faz manifestação popular traz para dentro dela as suas próprias formas, as suas divindades. Para que as manifestações populares fossem permitidas, os trabalhadores pensaram formas de se expressar, sobre a referência que era proibida pela corte, por meio de simbologia e metáforas. Então, o boi passa a ser um ícone de ligação entre as divindades relacionadas a natureza e, depois, como promessa da terra prometida. Os bois também podem significar símbolo de fartura, fortuna e prosperidade.

O boi de Igatu nasceu com um plano estratégico cultural. Como foi isso?


Há dez anos o boi sai às ruas da vila da Iguatu nos meses de dezembro e janeiro. Foto: Maria Esperança Gadêlha

Todos os anos, o boi sai às ruas da vila da Iguatu nos meses de dezembro e janeiro. Foto: Maria Esperança Gadêlha


Na década de 90,  o antropólogo Abel Kanaú me levou para conhecer a região da Chapada Diamantina e a vila da Igatu, no município de Andaraí. Era um momento social delicado. A população vivia as consequências do fim da extração do garimpo na região. O governo federal proibiu a extração de diamantes. A medida foi tomada depois que as grandes empresas chegaram na região, causando prejuízos ambientais irreparáveis. O pequeno extrator artesanal também foi proibido e, a maioria das famílias, ficaram sem renda.

A vila da Igatu era um entreposto de passagem de diamante para ser escoado para Minas Gerais. Por isso, a vila estava na rota estratégica entre dois polos econômicos, Minas e Bahia. Mais tarde o caminho que escoava as pedras preciosas passou a chamar Caminho Real.

Entre os anos 1875 até 1920, Igatu chegou a ter 13 mil habitantes, havia diamantes de altíssima qualidade na vila. Quando o decreto fecha os garimpos, há um declínio no sítio do diamante. Os homens e jovens abandonaram Igatu, a cidade entra também em um declínio da população e do comércio.

No momento que eu e Kanaú chegamos à vila, a população de Igatu se constituía, em sua maioria, de mulheres, crianças e pessoas mais velhas. Eu, como educador, e Kanaú, como antropólogo, revitalizamos alguns projetos e grupos artísticos locais. Culturas interessante, até então, adormecidas. Embora a cidade não tivesse nenhum boi, começamos a trabalhar com as mulheres da comunidade, eram rendeiras, parteiras, rezeiras e com os homens remanescentes do garimpo, que contavam histórias locais. Fizemos muitas brincadeiras com eles e o movimento trouxe de volta o diálogo cultural. Então, construímos o Boi, no ano de 2007. Batizamos o personagem como Boi Estrela de Igatu, consagrando ao santo protetor da vila São Sebastião e para o povo de matriz africana, Oxóssi.

Como é o envolvimento da comunidade?

O movimento tomou corpo e vimos a necessidade de envolver toda aquela população. Criamos o grupo de jovens de teatro Maria Godó, o nome é referência a uma comida típica da região. E mais tarde, foi formada a Batucada Boi Estrela com crianças e jovens de Igatu. Com os grupos Mulheres dos Arcos e os Sanfoneiros, formados pelas mulheres e homens antigos da cidade, constituímos quatro grupos culturais na vila, que fazem ações independentes durante todo o anos. Nos meses de dezembro e janeiro, eles se juntam para realizar o cortejo da diversidade do Boi Estrela de Igatu. Há dez anos o boi sai como brinquedo oficial da vila. É uma alegoria de identidade das pessoas.

O que a região da Chapada Diamantina representa para a cultura brasileira?

A Chapada da Diamantina é um dos territórios de identidade cultural brasileira mais representativo no país.  Considerada pela Unesco Patrimônio Imaterial da Humanidade. A Chapada reúne uma cultura híbrida do país, diversas matrizes estéticas, confluências e mistura de cultura. É o Brasil caboclo, de Darcy Ribeiro, misturas de origens africanas, indígenas, europeias – um espaço importante para estudar a noção de construção da identidade.  Além de ser a maior área de conservação do cerrado e parte da mata atlântica.

Na tradição da história do boi, acontece um processo de cura, no qual o animal é ressuscitado. O Boi de Igatu também conta essa história?

A encenação do bumba-meu-boi tem como base uma lenda do casal de negros, Pai Francisco e Mãe Catirina, que viviam e trabalhavam na fazenda durante o regime escravocrata.

Segundo a história, Mãe Catirina está grávida e com desejo de comer a língua do boi mais bonito do seu patrão. Como desejo de uma mulher grávida é ordem, Francisco sai durante a noite para cortar a língua do boi e saciar a vontade de sua mulher. O boi adoece e morre. A notícia chega até os ouvidos do patrão, que chora e se entristece pela morte do boi favorito. Todos se comovem e os vaqueiros chamam um pajé para tentar curar o boi. O animal ressuscita e a comunidade festeja o seu nascimento.

O que sustenta o mito do boi no Brasil é essa história, a partir das três matrizes estéticas culturais. Porém o boi também acontece enquanto fenômeno da região, ele vai agregando as histórias locais. Por exemplo, quando o boi sai do Maranhão e vai para Parintins, no Amazonas, ele agrega valores regionais com a figura do boto-cor-de-rosa, mas não perde a essência, que é a história oficial do boi.

No Boi Estrela de Igatu, a gente conta a história de Pai Francisco e Mãe Catirina, mas criamos figuras que conversam com a história local. A Cascavelha é uma cobra gigante e linguaruda de duas cabeças. Uma cabeça é Fuxico e a outro Fofoca, representações das mulheres que fizeram intriga durante anos, nas janelas de suas casas. Também tem a famosa Perereca-Eca, uma personagem ecologista, que alerta sobre temas ambientais importantes. E o Cururu Tei Tei, um sapão brigão. No enredo o sapo bate na sua mulher e vai preso.  A cena é motivo para trazer um espetáculo de teatro, chamado de cordel, que fala da lei Maria da Penha. São questões sociais e políticas importantes para trabalhar os direitos humanos. O boi passa a ser  um movimento de revitalização da cultura e garante, também, os direitos das mulheres, crianças e adolescentes.

Quais linguagens artísticas estão presentes no Boi de Igatú?

As linguagens das artes não se separam. Esse conceito é tão verdadeiro que o Boi Estrela de Igatu foi reconhecido pelo prêmio BND Culturas Populares como movimento de artes integrantes. O grupo de jovens de teatro trabalhou com as mulheres antigas de Igatu. Elas não sabiam ler e tinham que decorar alguns textos. A estratégia desenvolvida foi genial. O grupo transformou o texto em cordel, as mulheres decoraram as música e depois encenavam aquele texto sem o ritmo. Uma linguagem nova para reparar e apodera os moradores da vila, sem excluir ninguém. Teatro, dança, música, literatura, tudo junto, como um instrumento de inclusão.

– Chico, ô Chico, homem de Deus! Eu tô com um desejo louco de comer língua de boi, homem!” – Come outra coisa, mulher! Logo língua de boi? Come cupuaçu, come umbu, come graviola, come carne-seca, come mandioca, qualquer coisa. Mas logo língua de boi!, aqui não tem.” – Eu quero. E eu quero é a língua de boi que eu sonhei, Chico. Aquele boi com um corinho todo preto, salpicado de colorido, que dança, que baila, com aquela linguinha vermelha, suculenta!”

Diálogo entre Mãe Catirina e Pai Francisco – do livro Bumba-meu-boi de Stela Barbeiri e Fernando Vilela

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