Como uma cicatriz no meio da maior floresta tropical do mundo, a Rodovia Transamazônica, ou BR-230/AM liga o nordeste ao norte do país. A poeira e a lama são os fatores que dão ritmo a utilização da estrada e a vida da comunidade no entorno, principalmente na região onde o asfalto é inexistente. Dos quatro mil quilômetros de estrada, apenas dois mil são asfaltados.
É um caminho antíteses. Durante o verão amazônico, entre os meses de maio e outubro, a falta de chuva seca os atoleiros e o tráfego flui. Também nesse período, o acesso aos serviços básicos de educação e saúde são melhores. Porém, quando as nuvens de poeiras desaparecem e a chuva não dá trégua, o cenário é quase inóspito e intransitável.
Rodovia Transamazônica
O projeto inicial, na década de 70, pensado no governo militar do general Emílio Garrastazu Médici, previa a construção da rodovia Transamazônica a partir da cidade de Cabedelo, na Paraíba, onde de fato ela começa, até a divisa com o Peru, no município de Benjamin Constant. O objetivo era o escoamento da produção por uma via terrestre que ligasse os oceanos Atlântico e Pacífico. Neste momento, o lema do Brasil era “integrar para não entregar”, e esse certamente foi o projeto mais audacioso.
A Rodovia, no entanto, não chegou até a divisa com o Peru, como planejado. Parou 600 quilômetros antes, em Lábrea, município sul amazonense. O plano de ocupação também foi falho, pois as terras não eram boas para a agricultura e o serviços de educação, saúde e moradia, prometidos pelo governo, também não foram entregues.
A verde Amazônia foi usada como atrativo à migração de milhares de nordestinos na ocupação das regiões consideradas férteis, longe das secas de suas terras, para a construção da obra viária. Algum tempo depois, eles descobririam o engano, pois a fertilidade das terras amazônicas é tão contestável quanto à famosa frase de Pero Vaz de Caminha, que muito antes anunciou “em se plantando tudo dá”.
Ao longo das terras cortadas pela Transamazônica havia comunidades ribeirinhas tradicionais e indígenas de diversas etnias. Segundo o IMAZON (2013), após a abertura da rodovia mais de 14 milhões de hectares de vegetação nativa foram derrubados na Amazônia. Atualmente, a maioria das áreas nativas e ainda protegidas é formada por Unidades de Conservação ou Terras Indígenas.
“O objetivo de se apropriar e colonizar a terra colocou milhares de famílias em condições precárias. O trajeto também é ruim. A Transamazônica passa por uma região cortada por muitos rios. Se eles queriam a integração, então seria mais interessante construir uma hidrovia ligada com ferrovias”, explica Osvaldo Estella, Diretor Adjunto do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Osvaldo Stella pedalando na Rodovia Transamazônica em 1992. (Foto: Osvaldo Stella / Arquivo pessoal)
Em 1992, influenciados pela Rio +20, Osvaldo e mais dois companheiros de faculdade fizeram uma ousada expedição para atravessar a BR-230 de bicicleta. Na época o conhecimento geral sobre a Amazônia era muito pequeno e o objetivo do trabalho era fazer um retrato ambiental, social e econômico do lugar. Vinte anos depois dessa façanha, Osvaldo retornou, em 2012, para refazer o trajeto. Ele conta que não houve mudanças significativas na região, a não ser por parte do escoamento de soja entre Marabá e Altamira. “Todos os dispositivos naquele lugar são escassos, a sobrevivência é possível através da resistência e perseverança das pessoas. Lembro de conhecer um menino de 12 anos de idade e ele ainda não estudava, isso porque tinha que atravessar 12 quilômetros na mata e a mãe dele tinha medo do percurso”, completa Osvaldo Estella.
A estrada é um retrato do Brasil. O potencial de recursos naturais da floresta é altíssimo, porém são pouco estudados e a riqueza dessa biodiversidade desperdiçada pela abordagem extrativista dos modelos de produção. Deve-se pensar em projetos e alternativas para ascensão social e econômica da comunidade. No trecho dentro da Amazônia vive 1,2 milhão de pessoas, das quais 66% não têm água encanada e 27% não têm instalações sanitárias, segundo pesquisas do IBGE. O índice de analfabetismo é o dobro da média nacional. Natureza exuberante, políticas públicas escassas, a Amazônia retrata o Brasil.
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