Com o objetivo de frear o processo de extinção da cultura e fortalecer as raízes, o povo Paumari organiza o segundo Campeonato da Língua, na qual as comunidades desse grupo se juntam para uma divertida competição com foco nas tradições indígenas. Neste mês, o torneio ganha sua segunda edição depois de uma estreia muito bem sucedida, organizada pelos professores do projeto Sou Bilíngue, que ensina a língua materna aos próprios indígenas. A segunda edição da competição começa nesta quarta-feira (16) e já agita as aldeias da região do Médio Purus.
Antropóloga Oiara Bonilla é especialista no povo Paumari (Foto: Reprodução)
Quem acompanha o torneio é a antropóloga Oiara Bonilla, que estuda o povo Paumari há 15 anos. Ela teve sua tese de doutorado aprovada com a descrição da cosmologia Paumari com foco na relação deles com o patronato amazônico. Atualmente, além de atuar nas questões indígenas, leciona na Universidade Federal Fluminense. Leia a entrevista com a antropóloga:
Instituto Mpumalanga: Diante da ameaça de extinção cultural, como está a mobilização dos povos indígenas para manter a língua viva?
Oiara Bonilla: A região do Médio Purus era historicamente um lugar da Amazônia pouco conhecido e contemplado tanto pelas políticas públicas, pelas pesquisas acadêmicas, quanto pelas ações de revitalização ou valorização culturais que já estão em voga na Amazônia há mais de uma década. Os povos do Purus resistem há séculos a uma colonização particularmente forte e violenta – sobreviveram a várias frentes colonizadoras, a mais importante sendo a da borracha e agora se preparando a receber a frente agropecuária que chega velozmente pelo sul do Estado, via Rondônia.
Há 15 anos, quando comecei minha pesquisa com os Paumari, como estudante ainda, os povos da região estavam começando a se organizar politicamente em conjunto, formando associações locais e uma organização indígena regional. Hoje, esse processo está consolidado e começam a aparecer essas iniciativas, como o Campeonato da Língua, o Programa Sou Bilíngue, voltadas para a revitalização da língua A Focimp (Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus) é que centraliza e articula essas iniciativas, esse protagonismo indígena na região é muito recente e fundamental.
A questão das línguas indígenas reveste uma importância diferente segundo os povos dos quais falamos. Acredito que para os Deni ou os Jamamadi, por exemplo, isso seja menos relevante porque todos falam fluentemente sua língua materna. Já os Apurinã, os Paumari, que também foram mais direta e massivamente expostos às frentes de colonização e que têm hoje um trânsito maior nas cidades, estão mais preocupados com a transmissão e a continuidade de suas línguas nativas.
Indígenas do povo Paumari tentam preservar a cultura por meio de novas estratégias, como o Campeonato da Língua (Foto: Celia Santos)
Instituto Mpumalanga: A realização do segundo Campeonato da Língua é um avanço nesse sentido?
Oiara Bonilla: Pessoalmente, acredito que sim, que seja um avanço. Como todo projeto em suas etapas iniciais é muito difícil prever os resultados reais. O Campeonato é uma ideia muito original e única que surgiu de uma preocupação dos jovens professores paumari para com a transmissão de sua língua na busca de um meio original e divertido de revitalizá-la. O projeto enfatiza muito o fato de que o aprendizado se faz através da diversão e da alegria. O primeiro campeonato, nesse sentido, foi um grande sucesso. Ver as crianças dançando e cantando em Paumari, imitando os mais velhos, no último dia do evento, foi muito emocionante. É importante enfatizar que a imitação é um dos princípios pedagógicos mais importantes das culturas indígenas em geral. Se aprende fazendo, imitando, seguindo os passos dos adultos – e não decorando cartilhas ou livros, por exemplo.
Alunos do Projeto Sou Bilíngue, iniciativa que ensina a língua materna aos indígenas alfabetizados em português (Foto: Celia Santos)
Instituto Mpumalanga: Essa seria a melhor forma de atingir aldeias e jovens?
Oiara Bonilla: Bom, não sei se a melhor forma. Mas acredito que seja uma forma interessante. Provavelmente não suficiente, porque muitas coisas estão em jogo quando falamos hoje das línguas indígenas em perigo de extinção. No caso do Médio Purus, falar em perigo de extinção de línguas, nos obriga a falar em cidade, em políticas públicas do governo que drenam as populações para as cidades em descaso na política de educação escolar indígena, que além de ruim é mal pensada, mal formulada, e sempre aplicada de cima para baixo. Pensada nos corredores de Brasília e aplicada no Brasil todo, como se “o índio” fosse um ser genérico. Então, um problema puxa o outro. O Campeonato da Língua não tem como resolver tudo. Mas é um meio para atingir, sensibilizar, despertar interesses, incentivar a juventude, reconectar gerações, e, como bem diz o Edilson Paumari (um dos professores atuantes no Projeto Sou Bilíngue), devolver a autoestima do povo e o orgulho por sua língua. Nesse sentido me parece essencial.
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