Povos indígenas de todo o mundo participam da 21å Conferência Planetária do Clima (COP-21), em Paris, onde representantes de 195 países estão reunidos. O objetivo do encontro, promovido pelas Nações Unidas, é a formulação de um acordo global para diminuir a emissão de gases de efeito estufa e limitar o aumento da temperatura do Planeta. O documento visa lutar contra as mudanças climáticas e deve ser concluído neste sábado, 12 de dezembro.
A organização dos povos indígenas, seja como grupo de pesquisa ou sociedade civil, é o grande destaque dessa edição da COP. A luta continua a mesma, assegurar que seus direitos sejam incluídos no chamado Acordo de Paris. A Aliança Guardiões da Mãe Natureza, liderada pelo cacique kayapó Raoni Metuktire, da região do Xingu, chamou a atenção para o fato de que os povos tribais representam 370 milhões de pessoas no mundo, localizadas em 70 países. São mais de 5 000 povos e 4 000 línguas diferentes.
O que se pode observar dessa participação é o número de conteúdos e pesquisas produzidas sobre a contribuição das comunidades indígenas na conservação das florestas e equilíbrio do clima. Durante os últimos dias da Conferência, que começou em primeiro de dezembro, foram lançados dois filmes: ‘Para onde foram as Andorinhas’ e ‘If not us them who?’ (Se não formos nós, então quem será?). Ambos mostram os impactos das mudanças climáticas nas comunidade indígenas e reforçam o chamado à conservação.
“Os Estados Nacionais já levam mais de 20 anos discutindo o problema da questão climática, um problema que aponta o fim do planeta, mas não encontram solução. E os povos indígenas conhecem e entendem que sua relação com a natureza é de respeito. Milenarmente os povos indígenas estão trabalhando para o bem-viver. O mundo inteiro precisa aprender”, comenta André Baniwa, vindo do Amazonas, da região do Alto Rio Negro, durante a COP 21.
Baniwa apresentou o Calendário Climático Indígena que surpreendeu toda a comunidade científica. Durante dez anos, pesquisadores indígenas das aldeias do Alto Rio Negro mapearam e catalogaram todos os fenômenos naturais que acontecem nas aldeias da região. Um trabalho para entender o regime climático e os ciclos de vida ecossistêmicos a partir dos conhecimentos indígenas. O processo também inclui metodologias não indígenas, com a colaboração do instituto Socioambiental (ISA), para se ter uma visão mais detalhada dos resultados.
Calendário Climático Indígena
“Trabalhamos com diários, fazendo registros em cadernos, observamos os fenômenos de floração, reprodução de espécies, migração de pássaros. Já tínhamos esse conteúdo em narrativas, pois esses ciclos acontecem desde a origem do mundo, mas agora com o registro é possível fazer comparações e entender os impactos das mudanças climáticas. Houve também o envolvimento dos jovens indígenas e anciões na pesquisa, já que ela foi feita dentro das nossas escolas. Estamos preocupados com o manejo do mundo”, afirma Baniwa.
O Calendário Climático Indígena está disponível neste link. O site combina as informações sobre as estações indígenas nomeadas com as constelações, os dados oficiais de pluviometria e nível do rio. Já se relata a alteração de ciclos de frutas, insetos e migração de pássaros, marcadores temporais que se perderam, além do aumento da temperatura. Na região do Rio Negro vivem 22 povos indígenas diferentes, o calendário faz parte de um projeto de pesquisa colaborativa indígena com um formato inovador, de gráficos interativos.
Um dos pontos significativo marcado pela forte presença indígena na Conferência foi a entrega ao presidente da França, François Hollande, do documento “Propostas e recomendações da Aliança dos Guardiões da Mãe Natureza aos Estados e à comunidade internacional para a preservação”. O ecocídio foi reconhecido como crime ambiental, a ser julgado pela Corte Penal Internacional.
Pavilhão Indígena da COP 21. Foto: Reprodução ISA (Instituto Socioambiental)
“Nós não devemos idealizar a vida dos povos indígenas, mas nós devemos aprender com a sua sabedoria e sua sobriedade algo que falta nos dias de hoje em nossa sociedade. Os índios estão na linha de frente da luta contra o desmatamento. O combate deles é nossa luta”, afirmou Nicolat Hulot, ambientalista francês, enviado especial do presidente da França para a proteção do Planeta.
As principais questões abordadas pelos indígenas brasileiros foram a PEC 215 e uma Medida Provisória (MP) proposta pelo governo federal sobre o avanço dos grandes projetos de infraestrutura dentro das terras indígenas. As questões são abordadas em tom de denúncia sobre o retrocesso constitucional. Outro assunto em pauta é a taxa de desmatamento da Amazônia brasileira que cresceu 16% em relação ao ano de 2014. Sem comemoração, a notícia da concessão de licença de operação da usina de Belo Monte também gerou muita discussão e preocupação sobre o futuro do povo do Xingu.
“As aldeias de vocês são diferentes. As nossas estão esquentando. Nós estamos aqui para pensar as possibilidades em como diminuir dois graus e não o contrário. Por isso meu apelo ao mundo”, pede o jovem agente de saúde, Tukupe Waura. Enquanto o indígena classifica como ideal a queda da temperatura planetária, o acordo da COP 21 quer estabelecer o aumento de 2ºC como limite para os próximos cem anos.
Organizados, indígenas da Amazônia, Congo, Indonésia e da Mesoamérica aliaram-se a cientistas e ambientalistas e apresentaram, durante a Conferência, um estudo que revela que os territórios indígenas guardam 168,3 gigatoneladas de CO2, ou seja, 20,1% de todo o carbono das florestas tropicais juntas.
“Os governos também devem incluir a contribuição dos Povos indígenas nas INDCs (contribuições nacionalmente determinas, que compõem as metas dos países para a redução de emissões de gases de efeito estufa na Convenção da ONU). Porque nós também temos uma contribuição a dar pelo clima e isso deve ser contabilizado”, afirmou Mina Setra, liderança indígena do West Kalimantan, na Indonésia. “Os povos indígenas dão exemplos ao mundo todo sobre estilos de vida de baixa emissão de carbono. Nossa grande tarefa é transmitir a mensagem de que há esperança. Essa esperança é trazer a vocês nossa experiência, nossa vida e nossa conexão com as florestas”, afirmou Setra.
É fundamental a mobilização da sociedade sobre o papel de parceria do indígena na luta pela conservação. O entendimento sobre o modo de vida e a relação deles com a natureza faz parte do processo de ressignificação da visão não indígena com as comunidades tribais, já que é incalculável o serviço ambiental prestado pelos territórios indígenas, não só no Brasil, como no mundo. Em Paris, não é certo que as reivindicações indígenas estarão no acordo final previsto para os próximos dias, porém o movimento de resistência desses povos é a garantia de vida do Planeta Terra.
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