O conto que me disponho a contar é um conto de muitos encontros. Dizem que antes de Portugal aportar em terras Brasileiras, navegadores espanhóis já teriam passado por aqui. Como os contos se espalham, muito provavelmente essa notícia chegou a Portugal. O fato é que Portugal decidiu fazer uma expedição, cujo destino seria o “Caminho das Índias”, e ao errar o caminho encontra terras latinas. Nesse caminho de descobertas especulativas, aportam em Vera Cruz, na Bahia- Brasil, com as três Caravelas: Santa Maria, Pita e Nina. Registra-se ali oficialmente, no ano de 1500, esse encontro, reafirmado com a célebre frase ” Terra à vista ” !!!
Conto esse conto com o encanto de quem sempre ouviu o que foi contado! A gente cresce ouvindo histórias, acreditando nelas fielmente, pois afinal, aquilo que nos contam faz parte da nossa própria história. E quem nessa vida não quer saber de si mesmo?
Com o passar do tempo vamos descobrindo que aos contos que nos contam podem ser acrescidos outros contos, além de inúmeros pontos a serem desvendados. Aqui coloco, enquanto personagem curiosa de histórias, a possibilidade de revelar um dos encantos que faz parte desse conto .
O Brasil tão característico por sua diversidade já foi considerado por alguns estudiosos teóricos sociais do século XIX um pedaço perdido de Portugal – um objeto sem vida. Sem vida? Fico intrigada. Como assim? Se na chegada dos estrangeiros ao Brasil, aqui encontraram uma população indígena numerosa, com costumes e organização social? Mas, ainda bem que esse pensamento de lugar sem vida é visivelmente ponto de discordância do antropólogo Roberto da Matta através do seu comentário: ” O Brasil com B maiúsculo é um país de cultura e geografia de reconhecimento internacional, calçada com o calor dos nossos corpos ,lar, memória e consciência de um lugar com o qual se tem uma ligação especial ,única e totalmente sagrada”.
Raízes africanas também estão na cultura brasileira.
Um lugar de múltiplas tradições culturais. Tradições existentes mesmo antes da chegada dos navegantes. Até mesmo quando decidiram trazer do Continente Africano povos negros na condição de escravos, que foi uma passagem extremamente triste da nossa história, mal sabiam eles que residia ali, naqueles corpos sofridos, um tesouro imaterial inesgotável, que são seus saberes e fazeres e que aqui, mesmo com todo o sofrimento, criaram raízes. Falar do Brasil e sua origem, é falar da diversidade no que se refere às variações étnicas. Um país de um povo miscigenado e muito mais amplo do que comumente afirmamos ser.
Como nos conta Alfredo da Matta: “Todo conjunto das práticas sociais de um povo ou coletividade constitui seu modo de reprodução da existência. É o conjunto de todas as práticas sociais que reproduz uma sociedade “(2013.p.38 ).
Ora, pois, então aí está a resposta à indagação sobre termos ou não termos vida!
Se essa miscigenação cultural nos caracteriza como povo, nossas heranças são, portanto, muitas e diversificadas. Sendo assim, podemos afirmar que somos um país, sim, com B maiúsculo e culturalmente festivo.
Ufa! Que bom!
Dentre as expressões da vida em sociedade podemos destacar a FESTA como uma das mais antigas expressões humanas. A festa é uma manifestação inter-relacional, que reforça a solidariedade e promove a potência grupal.
Pronto! Chegamos ao ponto do conto que gostaria de contar.
A Festa ou Folguedo Junino.
“Capelinha de melão é de São João, é de cravo, é de rosa, é de manjericão. São João está dormindo, não acorda, não. Acordai, acordai, acordai João” (Canção Tradicional)
Acorda João!!! Vou contar um pouco do seu conto.
O folguedo junino é um dos pontos altos das celebrações no Brasil.
Conta a lenda que São João adormece durante a noite da sua festa, porque se ele estivesse acordado, vendo o clarão das fogueiras em sua honra, não resistiria ao desejo de descer do céu e o mundo arderia em fogo.
Os rituais do fogo estão ligados à fertilidade da terra, mais especificamente à reprodução. Por isso, o ciclo junino no Brasil se inicia no dia 19 de março, quando é feito o plantio de inúmeras iguarias como o milho, amendoim e macaxeira (também conhecido como aipim), dentre outros. Esse calendário vai se adentrando, e no mês de junho a colheita farta dos produtos garantirá a prosperidade da festa.
A fogueira não pode faltar nos festejos juninos
Dizem que a festa tem um caráter cristão, mas em outros contos em que se somam pontos, é sabido que a celebração é anterior, inclusive à nossa era. Ao ir desvendando as peculiares que circundam o folguedo, conto-lhes que o festejo foi trazido pelos portugueses, com influência francesa, e ao chegar ao Brasil ganha características próprias. O translado do folguedo tradicional unido aos costumes aqui já existentes foram desenhando uma festa com características próprias.
Podemos dizer que o folguedo, além de ser uma festa que se realiza nas praças e nas ruas das cidades, também tem força grande nos espaços escolares, como oportunidade de socialização. Uma brincadeira em que cabem adivinhações, superstições, quadrilhas, quermesse, tudo entoado num ritmo convidativo, que é o Forró.
As festas do fogo na Europa eram realizadas no solstício de verão (junho) e inverno (dezembro), que correspondem no calendário ocidental, às datas de 24 de junho e 24 de dezembro, com as festas cristãs de São João e Natal. No Brasil as comemorações também marcam o percurso do Sol, com as diferenças climáticas, e o São João é comemorado no inverno. Herdamos, portanto, o ato de acender a fogueira, que além de aquecer do frio é também motivo da brincadeira de pular a fogueira.
“Pula a fogueira, Iaiá, pula a fogueira, Ioiô, cuidado pra ela não te queimar, pois essa fogueira já queimou o meu amor”. (Canção Junina)
Contam que em algumas culturas há um costume de se queimar na fogueira ervas de odor agradável como camomila, poejo, tomilho e arruda, por acreditarem que nessas plantas se encontram propriedades benéficas. E não é que esse conto faz sentido?
São muitos os “São João”!
A dança da quadrilha se espalha pelo Brasil nesse mês de fortes tradições.
O São João Xangô (dizem que era o que os povos indígenas mais gostavam de brincar), o São João do batismo ou do carneirinho, o São João das águas do Jordão. Todos (na verdade, um só) confirmados nos festejos por um mastro enfeitado com frutas e iguarias, cujo significado tem por intenção homenagear a Mãe Terra pela possibilidade de se produzir abundantes frutos, pela fertilidade das sementes e rapidez com a qual elas se reproduzem.
É nesses contos que ouvimos contar que nos orgulhamos desse lugar chamado Brasil, que nos faz celebrar, dançar, brincar, comer, cantar, e em alto e bom tom numa só voz entoar … Viva São João! Viva o menino! Viva são João!
Viva São João Xangô – Menino! (São João, Xangô Menino – Caetano Veloso)
Ai, Xangô, Xangô menino
Da fogueira de São João
Quero ser sempre o menino, Xangô
Da fogueira de São João
Céu de estrela sem destino
De beleza sem razão
Tome conta do destino, Xangô
Da beleza e da razão
Viva São João, viva o milho verde
Viva São João, viva o brilho verde
Viva São João das matas de Oxossi
Viva São João!
Olha pro céu, meu amor
Veja como ele está lindo
Noite tão fria de junho, Xangô
Canto tanto canto lindo
Fogo, fogo de artifício
Quero ser sempre o menino
As estrelas deste mundo, Xangô
Ai, São João, Xangô Menino
Viva São João, viva Refazenda,
Viva São João, viva Dominguinhos,
Viva São João, viva qualquer coisa,
Viva São João, Gal canta Caymmi,
Viva São João, pássaro proibido,
Viva São João!
Esse conto se encerra com a poética canção de Caetano Veloso, que parece nos convidar a interagir com ele, quando deságua em sua última estrofe, dando “Vivas” a uma infinidade de afetos .
Portanto agora Menino ou menina, Diga-me: Para quem ou para o quê Vai o seu Viva?
Esse texto objetiva aproximar o leitor do seu próprio conto, de sua própria voz. Uma voz que vem das suas memórias. Um processo ao mesmo tempo simples, porque traduz o sentimento humano registrado ao longo da sua história, e complexo, porque com o passar dos tempos fomos, aos poucos, nos distanciando da nossa essência, por conta da fragmentação do aprendizado, em que o saber intelectual se separa do saber sensível e das experiências vividas. Essas experiências podem ser percebidas nos folguedos tradicionais de cada região do país. Como é tempo de se festejar os folguedos Juninos, o convite está feito.
Organize um grupo de pessoas e estimule o acontecimento da festa, se no seu entorno o São João anda adormecido.
Vamos acordar o folguedo e celebrar, juntos, a vida com muitos vivas!
Tereza Oliveira Arte – Educadora e professora de Dança do Instituto Mpumalanga. Formada em Dança pela UFBA. Especialista em Arte educação pela UFBA Mestre em Educação pela UNEB
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