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Foto do escritorInstituto Mpumalanga

“TRANSE, deslocamento de dimensões”, por Eneida Sanches

A artista baiana Eneida Sanches também é destaque na programação de maio da Casa Brasileira com a exposição “TRANSE, deslocamento de dimensões”.

Eneida iniciou estudos em artes na escola de Arte da Bahia aos 6 anos de idade. Cursou arquitetura, de 1980 a 1990, e, simultaneamente, acompanha o curso de Artes Plásticas na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. Desenvolve pesquisa em estética africana e afro-brasileira desde 1990 e estuda gravura em metal nas Oficinas do Museu de Arte Moderna da Bahia de 1995 a 2000. A artista expõe de 1992 a 2000 em Museus e Galerias de NY com ferramentas de uso litúrgico do candomblé yorubá. Apresenta obras relacionadas ao tema do Transe e expande a linguagem da gravura, transformando-a em objetos e instalações. Recebeu em 2007 o Prêmio do XXIV Salão da Bahia Museu de Arte moderna MAM-Ba o e participou de residência na Frie Academie, Den Haag, Holanda.





“TRANSE, deslocamento de dimensões” – as obras de Eneida ficarão expostas deste domingo (06.05) até o dia 05 de agosto – De terça à domingo, das 14h às 21h.

Além da exposição, Eneida ministrará oficinas de arte para crianças, jovens e adultos em julho na Casa Brasileira. Fique atento à nossa programação para saber datas e horários. E logo abaixo você confere um bate-papo exclusivo com Eneida sobre a exposição, as oficinas e toda a influência que norteia seu trabalho.

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Casa Brasileira: “TRANSE, deslocamento de dimensões” – O que a exposição quer comunicar?

Eneida Sanches: “Eu começo essa fala citando Saramago no filmes de João Jardim chamado “Janela da Alma”, onde ele sugere que para conhecer as coisas há que se dar a volta ao redor delas, e Transe também faz uma provocação convite às pessoas que olham a Mostra, que elas deixem um pouco esse lugar de leitura rápida, às vezes um olhar meio consumidor sobre a imagem – que é uma coisa que a propaganda exercita demais -, mas que a gente possa permanecer um pouco mais diante das coisas e ver quais são as outras camadas que estão por detrás daquilo que a gente inicialmente lê. E é por isso que eu falo da palavra “transe” não como um aspecto religioso, mas como um aspecto de estado emocional, estado perceptivo diante do mundo, para que a gente possa expandir a nossa consciência e capturar as outras questões que estão por detrás daquela primeira camada inicial da vida, em vez de fazer uma leitura rápida do mundo, a gente poder permanecer e começar a perceber, sentir e a capturar as outras fontes que estão pulsando ali para a gente.”

(CB): Como funciona seu processo criativo?

(ES): “Não muito distante dos processos criativos dos outros artistas, vem de um lugar que é afecção, como o mundo me afeta? Então vem a partir das coisas que eu leio, a partir das coisas que eu vejo, e a partir das relações que eu travo com meus embates internos. Então eu eu utilizo muito a linguagem do Candomblé porque é a linguagem que me interessa, eu tenho uma relação com Candomblé, mas eu faço com que esse universo passe por minhas questões individuais. Eu vejo isso um pouco paralelo como a forma como Almodóvar faz o processo criativo dele, ele utiliza um cenário que é um cenário espanhol para falar das suas questões essenciais, e eu acho que isso é uma coisa muito comum dos artistas. Em termos de técnica eu utilizo muito a gravura, eu gosto muito de desenhar, durante todas as manhãs eu desenho, eu tenho um ritmo de desenho, um ritmo de produção. Eu sento e desenho umas coisas e vou elaborando e conectando uns desenhos com outros às vezes, criando composições. A partir daí eu vou agregando os materiais e vou achando quais são os sentidos que aqueles desenhos estão querendo me dar. Ele funciona um pouco como um jogo de perguntas e respostas, só que nesse caso específico eu primeiro tenho as respostas, o que me aparece enquanto imagem é aquilo que está vindo enquanto resposta, e na medida em que eu vou desenhando as respostas, os desenhos, as imagens, eu vou começando questionar quais são as perguntas, o que é que estou buscando. A medida que eu trago aquela outra imagem à tona através de um desenho, através de uma gravura, através de uma instalação, eu utilizo algumas técnicas para fazer isso – como em qualquer ateliê a técnica pode variar e isso não é exatamente a questão mais essencial -, a questão essencial é o conteúdo, o que você está dizendo, quando está dizendo aquilo que você quer dizer -, eu gosto muito dessa frase porque essa é a pergunta que faz o que está por detrás daquelas imagens que você está trazendo. É nesse aspecto que a arte que lida com conceitos, com conteúdos, se distancia da arte decorativa que tem como objetivo a ornamentação. Quando a gente traz imagens que estão buscando evidenciar e ao mesmo tempo buscar relacionamentos, é aí que primeiro ao trazer as imagens você vai fazer um trabalho arqueológico de descobrir quais foram as suas perguntas, não necessariamente se inicia como um desejo específico de desenhar uma coisa por isso ou por aquilo, então é nesse aspecto que meu processo criativo e invertido, ele é respostas para perguntas desconhecidas.”

(CB): Quais as influências da sua relação com a linguagem afro brasileira no seu trabalho?

(ES): “Influência completa, eu comecei como ferramenteira de orixá, eu aprendi a fazer as ferramentas dos ornamentos para as casas de Candomblé e me apaixonei primeiro pela estética disso, e a medida que eu fui começando a ler as histórias que estavam por trás dessas ferramentas, e comecei a ler sobre a vida dos orixás, eu descobri um universo filosófico extremamente profundo, e também uma construção de uma atitude diante do mundo – que o Candomblé trás mas que na verdade não utiliza ditames morais para oferecer isso socialmente dentro da sua comunidade -, ele utiliza as histórias para contar sobre o universo e sobre uma forma de ver o mundo. Então depois que eu comecei a fazer essas ferramentas e passei a me interessar pela filosofia, eu automaticamente comecei a abandonar a representação dos símbolos dos Orixás e comecei a falar sobre esse lugar filosófico, sobre essa possibilidade de olhar o mundo a partir de outras outras questões que não são só as imagéticas. Então essa é a minha relação com a linguagem afro-brasileira, ela continua falando sobre o Candomblé, ela continua falando sobre os orixás, mas é de uma maneira muito mais discreta, muito mais sutil porque no fundo essas questões filosóficas elas vão recorrer, elas vão dar nas mesmas questões filosóficas que estão presentes em muitas outras culturas e muitas outras filosofias.”

(CB): Viver, crescer e estudar arte em Salvador marca seu trabalho de que maneira?

(ES): “Eu tenho 56 anos, então a minha infância, minha adolescência, minha vida toda foi marcada pela presença da cultura africana no nosso cotidiano, apesar de sermos uma família que veio de uma crença católica, a gente tinha oferendas para Cosme e Damião, fazia caruru e uma série de outras coisas, então nascer e crescer em Salvador, especialmente no período em que eu vivi, estava relacionado a toda essa influência cultural. Na escola que eu estudei dos 6 aos 14 anos, chamada Escolinha de Arte da Bahia, nós tínhamos classes normais pela manhã, e à tarde a gente tinha uma série de experiências relacionadas a arte, como aula de capoeira, de dança moderna, essas aulas eram aulas muito relacionadas com a expressão moderna e também na Bahia, bastante associadas ao universo afro-brasileiro, então é claro que nascendo em Salvador eu estava circundada, estava influenciada por essas coisas. A partir daí meu universo cresce falando disso, a diretora da escola tinha amizade com com Vinícius de Moraes, uma vez ele foi cantar pra gente e a partir dessa cantoria a gente fez desenhos, nós estamos falando de 1970 na Bahia, a gente tinha efervescência cultural impressionante no mundo das artes, da música, do cinema… essa esse é o universo em que eu cresci.”

(CB): Ensinar arte, é uma arte? Como você prepara sua aulas, se conecta com os alunos e se realiza ensinando?

(ES): “É um desafio constante porque eu tenho uma relação muito recente com o ensino da arte, mas ao mesmo tempo essa relação recente ela se apresentou de uma maneira muito profunda. Eu ensino a arte na medida em que faço arte, e eu faço a arte da maneira como eu vivo arte, e eu vivo arte da maneira como eu vivo, eu vivo uma relação lúdica com a vida. Os materiais a partir do qual eu construo os meus trabalhos são os materiais que eu encontro, da mesma forma não seria distinto dizer que a forma como eu ensino é a partir do material que eu encontro no universo, então eu trago como plataforma algumas questões que estão relacionadas com a ludicidade, porque são questões abertas: com o que você se relaciona com a pulsão de vida, o que nesse momento está lhe afetando e faz afetar aos outros, e como a partir deste lugar nós vamos vamos construir imagens e histórias juntos. Eu falo isso porque uma preparação muito rígida, muito dura, poderia não considerar o que tá acontecendo no momento entre as pessoas, entre eu enquanto instrutora e as pessoas que estão no workshop, na oficina. Então eu me sinto muito mais vulnerável ao mesmo tempo, mas ao mesmo tempo recolho materiais muito ricos e muito profundos na medida em que criando uma plataforma que sugere uma proposta de criação e histórias juntos, a gente pode colher esse material e construir, naquele momento, algo que seja pertinente especificamente ao grupo que está trabalhando, que está fazendo oficina comigo.”

(CB): Além da exposição na Casa Brasileira, você também fará uma oficina para crianças e adultos. Como será esse trabalho?

(ES): “Eu utilizo uma proposta de criação de imagens inicialmente, então eu vou propor que as crianças primeiro façam as suas imagens e depois olhando para essas imagens, elas possam construir suas histórias. Histórias que elas vão contar de si utilizando essas imagens, e isso repete um pouco meu processo criativo onde eu coloco as respostas primeiro e depois eu vou buscar as perguntas, eu coloco as imagens primeiro e depois eu vou buscar as histórias.”

(CS): Eneida, para encerrar, a sua mensagem sobre a passagem pela Casa Brasileira.

(ES): “Eu acho que nós estamos vivendo um momento muito importante, e falando do ponto de vista cultural eu acho fundamental que nós possamos apoiar e reforçar a importância de espaços que trabalham com arte e cultura para que esse campo da existência humana possa ser continuamente valorizado diante de questões fortes como é a questão de consumo, sobre a questão da visão da vida de uma forma excessivamente pragmática. A arte e a cultura trabalham com campo do sensível, eu espero que essa mostra e essas essas oficinas possam dar um entendimento de que nós precisamos desse lugar na nossa vida, que a gente precisa ser mais é aberto para outras questões que não essencialmente materiais, mas as que tocam o campo da alma.”

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