A imensidão da Floresta Amazônica. Vista de cima é de se perder nas folhagens que parecem ausentes de trocos e dotadas de maciez. Uma leveza fruto de um olhar desorientado, incapaz de se localizar na tonalidade verde perpétuo. A sucuri fluvial faz curvas intensas. Dobra-se inteira de indecisão e costura a mata serena. É a cobra d’água barrenta, ora inflexível à direita, ora decisiva à esquerda.
Os rios meândricos, ou seja, essencialmente curvilíneos, são característicos da Amazônia. O rio Purus é um deles. Em busca de documentar e levar as metodologias educacionais do projeto, as equipes da Caravana do Esporte e da Caravana das Artes viajarão por ele. Um percurso que deve superar as 30 horas de barco rumo às terras indígenas apurinã e palmari, isoladas dos centros urbanos do estado do Amazonas.
Curvas intensas e sedimentos às margens são características do Rio Purus (Foto: Reprodução/Shutterstock)
Mais longa é a viagem das águas do Purus. Elas atravessam fronteiras e passeiam pelos 3300 km de extensão. A nascente está na altitude andina do Peru, a 500 metros, nas colinas do Arco Fitzcarrald. São os sedimentos andinos os responsáveis pelo aspecto barrento da água, que concentra elevado teor de argila em suspensão. Ao longo do curso, os sedimentos são depositados formando pequenas ilhas até o desague no rio Solimões. O trajeto das águas passa por 21 municípios, entre Acre e Amazonas, deixando os grãos de areia e colhendo histórias dos moradores, tamanha a importância desse rio na vida dos ribeirinhos.
“Sua importância está principalmente no abastecimento de sua região de influência. O rio Purus é um eixo vital na vida econômica do município e da região, mesmo após a abertura da rodovia Transamazônica na década de 70 pelo governo militar”, explica a antropóloga Mirella Poccia, que acompanhará a expedição.
Gratos inquilinos de ágeis nadadeiras, os peixes também são parte integrante do rio Purus. Uma fonte que colabora com o sustento de inúmeras pessoas. Cerca de 48% da frota pesqueira de Manaus é do Purus. Os peixes ganham a companhia de barcos, responsáveis pelo escoamento de produtos, sobretudo borracha, castanha-do-pará e madeira. Uma hidrovia fundamental na região. “Essa procura pelo pescado no rio Purus tem sido cada vez maior à medida que as cidades crescem, porém não existem programas de ordenamento das atividades extrativistas nesse importante rio. O rio Purus é também conhecido por ser área de reprodução de quelônios, o que tem gerado conflitos sociais entre residentes e exploradores de fora”, acrescenta Poccia.
Mais de um século depois de Euclides
Anotação centenária de Euclides da Cunha mostra contorno do Rio Purus (Foto: Reprodução)
O trajeto pelo rio Purus remonta uma expedição feita pelo famoso jornalista e historiador Euclides da Cunha mais de um século depois. Após o marcante relato da Guerra de Canudos, na obra de Os Sertões, Euclides partiu para a aventura amazônica, como chefe da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus, em 1904.
A missão era de trazer um mapeamento cartográfico da região pouco conhecida. Embora o livro sobre a expedição tenha ficado inacabado, as anotações do jornalista ganharam importância por denunciar as condições precárias de seringalistas, em sua maioria imigrantes nordestinos atraídos pelo ciclo da borracha, mas também de alguns indígenas da etnia jamamadi que quase passaram um processo de extinção no contexto da exploração do látex. A região vivia um momento de muitos conflitos entre os seringalistas brasileiros e as tropas peruanas. A diplomacia de Cunha foi um dos trunfos para a definição das fronteiras entre os dois países.
Vozes do Purus
O Projeto Vozes do Purus abraça as manifestações e tradições culturais dos povos indígenas como parte da Caravana das Artes – movimento que acredita no poder mobilizador da arte, na possibilidade de aprender e construir juntos, na valorização da cultura, na promoção dos ideais democráticos e da paz. A Caravana das Artes é um projeto itinerante que percorre todos os anos 10 municípios com baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) e infantil (IDI), promovendo atividades artísticas entre crianças e jovens, além de capacitação de professores da rede pública. Uma metodologia que transforma a realidade de crianças e jovens em espaço e conteúdo para o aprendizado e, principalmente, valoriza o papel do professor como ator social com grande influência na comunidade.
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